quinta-feira, 16 de agosto de 2012


Cada um usa o que quer, mas....

Isto na caça é como no resto. Cada um tem as suas preferências, fundamentadas no que experimentou, leu, ou ouviu da boca de qualquer “opinion maker”. E além do mais, há o coração a falar, há um gosto que só é baseado no sentimento e não na cabeça.
Caçar com arco e besta tem muito que se lhe diga, nesta matéria, mas é uma actividade venatória em constante evolução, a sofrer uma terrível pressão por parte dum marketing aguerrido... É preciso vender, vender, vender!

Aqui há uns anos atrás (e bons...) privilegiava-se, na caça, uma flecha muito rápida, a implicar um peso diminuto. Defendia-se a 100% que o que contava era a energia cinética, e sendo assim, a velocidade desempenhava um papel fundamental na obtenção de maior energia (entra na fórmula da Ec (Ke) ao quadrado!).
Eis a fórmula, preparada para o sistema imperial: Ke=M x v2 / 450,240
E tínhamos, assim, o melhor dos dois mundos: flecha rápida, grande energia, trajectória muito tensa. Muito bem.
É um facto que este tipo de “setup” ainda funciona; abateu muitos milhares de peças de caça, e na competição é o melhor que há (até certo ponto, claro!).
Mas temos que pensar que esta procura desenfreada pela velocidade complicou, até certo ponto, a caça com arco, melhor ainda o acto de caçar com arco...Se não, vejamos:
Para os chamados arcos modernos, os compound, tiveram que ser concebidas rampas específicas para estas flechas super rápidas, aliadas a mecanismos de absorção da vibração e afinação do “center shot” (muitas delas relativamente frágeis); foram criados disparadores muito eficientes, ergonómicos e isentos de qualquer vibração (para evitar o “finger pinch” e para que os dedos não influenciassem negativamente a largada duma flecha, já por si demasiado instável); estes arcos, por sua vez, sujeitos a stress elevadíssimo por dispararem projécteis leves, que não absorviam a energia potencial do arco, foram obrigados a introduzir mecanismos para ajudar a dissipação dessa energia extra, aumentando de peso físico e necessitando de mais estabilização. E é claro, para obter mais energia, subiu-se a potência, com a ajuda de let-offs de 70 ou 80%... Um ciclo vicioso.
Sendo assim, ainda aparecem por aí conjuntos que são muito eficientes em provas, mas pouco práticos para a caça real... principalmente para uma das modalidades que mais praticamos, a espera nocturna aos javalis. Outros não. Há aí coisas muitíssimo equilibradas e mais ajustadas à realidade da caça. Estou a falar de compounds, neste caso, claro.
Noutra ocasião, noutra altura, falarei disso...

Mas as coisas, no campo e em termos de “balística” terminal, nem sempre funcionam bem com as flechas muito leves. Pelo contrário, a tendência é funcionarem menos bem...
A teoria tem vindo a mudar, ou melhor, a ajustar-se gradualmente àquilo que realmente o arqueiro caçador necessita... e o comércio também!
Quase todas as marcas já têm tubos de flechas com características adequadas para a caça maior, com pesos que podem ir até aos 15 grains por polegada... ou até mais.
O ressurgimento cada vez mais evidente da caça com arco tradicional e práticas inerentes foi em parte responsável por esta situação; o outro protagonista desta mudança foi o Dr. Ashby, que “ressuscitou” ou antes, relembrou, a velha teoria de que o mais importante era o “momentum” da flecha, em detrimento da sua energia cinética.
Facto indiscutível, este do momentum, que nos traz ainda mais coisas em que pensar.
Com efeito, o valor do “momentum” obtém-se multiplicando a velocidade (v) pela massa (m)...o que dá menos importância a esta última e mais ao peso (massa) da flecha, comparando com a fórmula da energia cinética.
O momentum (P) não é nada mais que a medida do movimento dum corpo, ou seja o ímpeto do seu movimento.

P = M x V

Mas o Dr. Ashby não ficou por aqui, e estudou muitas coisas relacionadas com o nosso projéctil, e a sua eficiência letal: a flecha para todos os efeitos é, e sempre será, a parte fundamental do conjunto.
A coisa pegou, e já há muita gente a trabalhar nesta área, e a chegar a conclusões interessantíssimas, muitas delas viradas para o tiro ao alvo, outras a aplicar na caça, que é o que me leva a escrever estas linhas.
E isto vem a propósito dum artigo que me foi indicado no Facebook e no grupo do Tiro com Arco, há poucos dias, que quase parece a antítese do que era defendido há uns anos atrás.
Nesse tal artigo, apareciam declarações de caçadores e caçadoras que usam arcos tradicionais de relativamente baixa potência, mas que obtêm resultados muito interessantes na caça, ao usar nesses arcos flechas de grande peso.
Ao lermos essas declarações, temos que ter noção de que as mesmas são feitas por pessoas experientes, que caçam de determinada forma, que atiram sempre a curtas distâncias...mas que de qualquer forma, sabem perfeitamente aquilo que estão a fazer, e a dizer!
E somos tentados, obviamente, a pensar: Mas espera aí, porque é que eu estou aqui a matar-me a abrir arcos potentíssimos, quando tal não é obrigatoriamente necessário?
Basta uma flecha pesada...
Vamos lá a ver; a tentação é grande e há factos que são conhecidos de todos, que convém ponderar:
  1. Uma flecha pesada absorve melhor a energia transmitida pelo arco. A energia libertada pela movimentação das palhetas não se dispersa tanto em vibrações, o valor da histerese estática, que tem a ver com o atrito, é proporcionalmente menor (já o é num arco tradicional, que não perde energia nas roldanas e sua movimentação)
  2. Em segundo lugar, temos que ter em conta a densidade seccional do projéctil. Quanto maior for essa densidade, maior penetração, e maior estabilidade no voo... e para o mesmo comprimento, a flecha com mais peso terá uma maior densidade seccional. Este é mais um factor que faz com que as flechas mais pesadas tenham um “rendimento” superior ao das flechas mais leves...
  3. Arcos mais fracos? Um arco mais fraco, em termos de potência, não significa que não produza um disparo com um “momentum” adequado, para a penetração mínima necessária. Há mínimos, claro... e o caçador tem que experimentar antes de ir caçar. De notar que um recurvo ou longbow transmitem proporcionalmente melhor a sua energia a uma flecha pesada, do que um compound.
  4.  E então a trajectória? Pois é, uma flecha mais pesada, disparada por um arco “mais fraco” terá sempre uma trajectória mais pobre, menos tensa. E até que ponto é que isso pode influenciar as nossas caçadas? É evidente que queremos ter sempre uma boa trajectória. Mas às distâncias que estes arqueiros tradicionais atiram, as diferenças no ponto de impacto derivadas do uso dos projécteis mais pesados e de arcos com menos potência não são tão importantes como isso. Mas a penetração aumenta muito!
  5. Poderemos melhorar o voo da flecha, nomeadamente na estabilidade, usando o peso? Podemos. Pondo o peso mais à frente...Com um FOC mais elevado, que indirectamente resulta em maior penetração. Uma flecha estável e a voar direita em todo o seu trajecto penetra mais.
E como não há nada melhor do que ver para crer, fui buscar uma das minhas flechas de caça Goldtip Traditional; escolhi uma pesando um total de 500 grains, e aumentei-lhe o peso, (e a densidade seccional, claro) duma maneira o mais homogénea possível, sem prejudicar o FOC em demasia. A solução foi simples; enchi-a de água!
O peso ficou em quase 710 grains, e atirada pelo mesmo arco, o meu Border, (por muita gente considerado com relativamente pouca força, com 58”@ 27”, puxo 26”), esta flecha penetrou muito mais, a 12 metros e sem alterações notáveis no voo: qualquer coisa como mais de 30% num alvo homogéneo...Mais de um palmo! Tenho que confessar, contudo, que durante o voo (e provavelmente no impacto), a flecha perdeu alguma da água do tubo, talvez pelo insert e rosca da ponta, bem como pelo nock (ficou solto). Repeti a experiência, e o resultado foi idêntico.
Um exemplo simples: é como comparar o impacto duma garrafa cheia de água com o de uma vazia! A garrafa cheia tem muito mais “momentum”, mais ímpeto, mesmo saindo da mão do atirador com um pouco menos de velocidade.

Para já, este teste que fiz é uma comparação radical, em relação a outros testes no passado, em que defini o peso que iria ter nas minhas flechas por sucessivas comparações de voo e penetração; vou experimentar da próxima vez com um pouco menos de peso, introduzindo um tubo de plástico no interior da flecha; quero atingir cerca de 620 grains. Bricolages, porque será mais simples comprar os tubos do Byron Ferguson...
Bom, mas tendo então em conta que a penetração depende muito do peso da flecha (penetração essa que seria o único constrangimento no uso de arcos menos fortes), e que se consegue num recurvo resultados surpreendentes nessa matéria, como nos contam e como verifiquei, não vejo grande problema em se escolherem potências de tiro mais “confortáveis”, dentro dum mínimo razoável. Essa vertente, o à vontade no tiro, o conforto/facilidade a armar o arco, faz com que sejamos mais precisos... “Overbowed”, como os americanos dizem, é o pior que há para a precisão, seja com que arco for.
Depois, é só escolher a ponta ideal, de 2 lâminas e bem afiada, pesada q.b. para manter um FOC elevado, afinar as flechas e o arco, e estar consciente que a caça com arco implica proximidade: neste caso, os tiros perto serão ainda mais obrigatórios.

Mas é assim mesmo, e mantém-se o que já é lugar comum, no caso dos recurvos e longbows sejam eles fracos ou fortes, recomenda-se muito treino, mesmo a atirar a distâncias curtas.
 Por outro lado, o atirador de compound que usa potências mais elevadas e que não gosta de estar tão perto no lance, não terá necessidade de chegar a extremos de peso na flecha. Sem descer demasiado na massa, procurará um projéctil que lhe proporcione uma trajectória mais adequada à distância a que habitualmente atira.
E acabo como comecei: Cada um caça com o que quer...mas às vezes há soluções mais cómodas e tão eficazes como outras, bem à mão de semear.


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